domingo, 14 de fevereiro de 2010

ALQUEVA

- Que pena,não é nosso! Esta a frase que a minha mãe pronunciava,quando no fim do dia o meu pai despejava um molho de notas sobre a mesa:40 para o fornecedor de farinha,30 para a renda,10 para aqui,15 para acolá...não sobejava nada,ainda faltava.
- A padaria que explorava,não dava lucro,só trabalho.Mas o meu pai era um lutador:os seus braços fortes amassavam,numa enorme "amassadeira",o pão que no dia seguinte,levaria para as lojas da aldeia para ser vendido.A minha mãe,coitada,tratava da lida da casa e ainda dava uma ajuda,a "tender"e pesar o pão ,antes de ir para o forno(como era de lei).
-Isto vai melhorar,a barragem vai ser feita,vai ser um "negocião",não vai haver pão que chegue,dizia o meu pai.Estávamos na década de sessenta.A barragem não foi construída .
-A padaria faliu e a pobreza abateu-se,em força,sobre a minha família.
-O "guerreiro" não se deixou abater.Virou-se para o que melhor sabia fazer,a agricultura,mas tendo alienado as pequenas parcelas que possuía para aplicar na dita padaria,valeram-lhe alguns amigos que possuíam terrenos de boa qualidade e lhos disponibilizaram,em sociedade,para que os explorasse.Dedicou-se à cultura ,sazonal,de melão de sequeiro.Correu bem e ganhou,razoavelmente,nos dois primeiros anos.No terceiro,apostou tudo.Semeou trinta
hectares.O ano agrícola correu mal...perdeu tudo e voltou a miséria.Mas,agora é que era:a barragem ia ser feita.Não foi. O álcool tornou-se um refúgio.Mas!Não se deixou vencer:trabalhou nos campos,guardou rebanhos,comprou umas cabeças de gado,insistiu...
já na década de setenta,voltou ao meloal e ganhou.Não muito mas equilibrou-se;e agora sim
a barragem ia ser,finalmente,construída.Já não o foi atempo.Ele morreu.Mas,antes de ele morrer, já tinham começado as escavações para desviar o curso do rio.Levei-o lá,agarrou-me pelos braços e sacudiu-me com vigor (apesar da idade,as suas mãos pareciam duas tenazes):eu não te dizia! Vou fazer cá um "negocião"!

Sem comentários:

Enviar um comentário